Modo escuro Modo de luz

Keep Up to Date with the Most Important News

By pressing the Subscribe button, you confirm that you have read and are agreeing to our Privacy Policy and Terms of Use
Nossas redes
Nossas redes

De dentro do ninho, Filó, por Alisson Carvalho

Nalgum ninho trocado, um ganso usurpou o lugar de um pato. Tal qual o cuco teria feito, um ovo rolou pelo terreiro.

E o pato, desprivilegiado, eclodiu, por acidente, entre os majestosos pássaros.

Pedaços do tempo, fragmentos da casca de ovo espalhados sobre a grama, o corpo inerte sobre a lama. Era um feto amorfo, exótico, raquítico jogado no terreiro. Deixou o passado dentro de um ovo forasteiro. Todos os orixás emudeceram. Uma criança totalmente deformada. A gansa correu atrás do recém-nascido desesperada, mas o filhote era rápido, estranho, o alienígena daquela ninhada.

Advertisement

A estranha cria mal sabia se comunicar, grasnava um idioma exótico, bem particular. Por isso, o gansinho engoliu-se inteiro já que ali os seus ruídos indecifráveis eram insuportáveis, de um agudo que martelava a cabeça durante o verão braseiro.

Rejeitado pelo clã ele se emburacou no terreiro até descobrir uma brecha no mundo. E lá, na solidão de um divã, percebeu o significado da palavra s-a-í-d-a naquela estranha não-vida de apartação. Perdeu-se e fez da estrada a sua casa até descobrir que nunca fora ganso e sim uma pata.

As passadas desastradas tornaram-se um desfile elegante na passarela da mata. Distante da antiga tribo a, agora pata, deixou de lado a febre terçã. Cantou, como quem descobre seus próprios elãs, umas estranhas cantigas sussurradas nas trilhas pelas suas guardiãs.

As penas deixadas no caminho foram o início do estranho rito. Trocou de pele como quem desveste dos demônios rasteiros, os espíritos traiçoeiros. E sob o manto lunar sentiu a brisa e seguiu as ventosas do ar.

Já certa de si, mesmo com as suas aspirações e grandezas, a pata olhou para trás. Não entendeu que progredir era deixar seu pretérito ganso na carapaça de prantos de uma vida que se esvai. Fechou os olhos marinhos, rebentados de chuvas, e com o rosto lacrimejante cortou as raízes estanques. Foi quando abriu as asas vibrantes e diluiu-se na neblina milenar.

Protegida pelos espíritos guerreiros, aliados no aperreio, esquivou-se dos predadores do mundo sorrateiramente.

E, enquanto planava, virou morcego e enfrentou a tempestade de desespero. Desprender-se deu um pouco de medo, mas depois veio a saudade travestida de cegonha, por fim transformou-se em garça cicatrizada e floresceu em risos. Suspirou mais leve, abraçando a brisa de neve. Suas asas pesaram e ela caiu no terreiro dalgum lugar carnavalesco em brados de prece. Levou vida, despertando graça nos fios do Velho Monge. Ali, entre os atabaques e agogôs, ela fez o seu primeiro ninho e descansou na Pasárgada que sozinha garimpou.

Keep Up to Date with the Most Important News

By pressing the Subscribe button, you confirm that you have read and are agreeing to our Privacy Policy and Terms of Use
Adicionar um comentário Adicionar um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Postagem anterior

Filó pros íntimos, para o resto Filomena, por Alisson Carvalho

Próximo Post

Lançamento do EP "O Caminho é pra Frente" da banda Phunk Buda

Advertisement