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Nossas redes
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O cochilo de Filó, por Alisson Carvalho

Diferente do que pensavam, a Filomena não guardou segredos, disse desde o começo a sua graça. Arrancou umas penas como garantia, o caução para a sua moradia. Ah, se os humanos soubessem do valor da vida, das riquezas contidas naquela fina plumagem!

Inspirou profundamente, era a hora de guardar em si o sol. Viu a luz se esvair e pintou no céu meio mundo de estrelas, algumas das quais deixava soltinhas para que caíssem nos milharais nutrindo de desejos os corações esperançosos e os amores surreais.

Tinha o seu próprio canto, o seu próprio poético lugar, um espaço dentro do seu próprio cosmos que nem escreveu Bachelard. E ali, no galho hospedeiro, observava o quintal inteiro. Os gatos soturnos, sentinelas noturnos, deixaram os seus ciúmes para trás, eles foram os mais indecifráveis inimigos. Sem ódio latente, inventaram um ciúme descrente para rejeitar a adotada indigente só porque ela sabia afagar.

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E filó, toda isolada, descobriu na primeira lufada da madrugada que as várias camadas da sua mesclada penugem eram as fibras do próprio tempo que urge. Condensou no peito as horas e sem muita demora vomitou os primeiros clarões da manhã, tingindo de laranja a abóboda celeste.

Como era o Leste? Incandescente, dourado? Tinham outros sóis acuados? Perguntavam os gatos nos seus desafinados coágulos solares, mas Filó, na sua estranha sabedoria, só encarava os seus novos parentes. O silêncio era o seu maior presente. Era preciso ser um pouco crente para ler o mundo com os seus olhos de vidente.

Se aqueles seres descobrissem por um só segundo que a pata condensava um mundo sob o manto de penas? Se aqueles seres suspeitassem que o próprio tempo resolveu tirar um cochilo e, num domingo vespertino, eclodiu  nas vestes daquela ave?

Ela avistou o borrão de tintas rompendo as frestas celestes, mas não era a hora certa para amanhecer, então curvou a cabeça e mergulhou dentro do mar de penas do próprio corpo, comprimindo-se no tutano do seu torso como um torço do seu próprio ser, uma crisálida protetora esperando o alvorecer. Tratou de guardar consigo todas as certezas, pois de nada adiantaria suster as dúvidas seculares se o mundo optou pelas sombras mais voláteis.

Filomena quis crescer.

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