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Uma leitura sobre a corporeidade no curta-metragem “Estalos”

Monteiro Júnior é uma grande referência, escrevo como um leitor do seu trabalho e um admirador da sua obra. Escrevo aqui apenas o que senti assistindo ao curta-metragem “Estalos”.

Imersos no espaço citadino, bombardeados por estímulos visuais, sonoros e olfativos, estamos constantemente sendo impelidos a reagir diante desse caos físico e químico. O fluxo da rotina encaixado nas engrenagens do capital e a mercantilização do tempo deixam tudo que é silêncio estranho à vida.

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Parar não é opção nesse oceano caótico, mas na contramão dessa corrente escutamos um estalar, uma quebra, mesmo que ruidosa, que nos convida a observar aquilo que é estranho, aquilo que é dissonante.

O filme de Monteiro Júnior não é confortável, ele faz esse esforço para dentro de um mundo percebido pelos sentidos. E não é fácil digerir uma ideia, principalmente quando o seu narrador/personagem é um corpo desviante. “Estalos”não se preocupa em dar explicações ou patologizar a personagem, estamos diante de um “indivíduo desviante” que propõe perceber a alteridade pelas vias do estranhamento.

O filme me lembrava a todo instante da força da estrutura social diante da agência do sujeito, sim, a performance diferenciada da multidão gera um estranhamento causado, talvez, pelo desejo de enquadramento dos corpos.

“Estalos” é um tratado sobre os corpos, isso é claro. Nesse contexto, Mauss (1974) define o corpo como um meio técnico, sendo o primeiro e mais natural instrumento que utilizamos para delimitar e definir a nossa existência no mundo. E esse instrumento, que é também um lugar, aquilo que nos define, é fruto de embates por ser uma arena onde natureza e cultura se entrelaçam e digladiam.

O corpo cria símbolos e também é mediado por eles, mas a quem realmente incomoda um ruído? Seu produtor? Somente diante do outro percebemos a diferença, pois temos como comparar o que somos e o que devemos ser, são expectativas criadas diante da sociedade e isso “Estalos” deixa bem claro. O sofrimento não está propriamente em si, ele vem do julgamento, vem do momento em que a personagem enfrenta todos os ouvidos e olhares, pois até então, no silêncio da mente, havia felicidade, paz, harmonia. O monstro só aparece no contato, na alteridade.

Com isso, destaco a atuação do ator e dançarino Felipe Zahir com sua construção detalhista e muito bem dirigida. Isso mostra a importância do estudo da corporeidade para o ator, e esse é um ponto que merece muita atenção, pois nem todo personagem necessariamente se expressará por meio da fala, mas seu corpo deve atuar. Quando esse corpo atua se desprendendo das formas habituais e naturalistas, é aí que entra o grande desafio para o ator. Nesse momento, percebemos como a pesquisa das ações físicas impacta na transmissão da mensagem. Vendo a pesquisa de Felipe, consigo pensar no jogo usado para comunicar (Schechner) e isso é uma provocação, claro, pois sou um admirador dos estudos sobre corporeidade.

Assistir ao traquejo do personagem de Felipe foi como ler o antropólogo Lucas Coelho aprendendo a performar nos manguezais piauienses, ou melhor, é como pensar na dança, no caminhar e andarilhar ao saltar entre as raízes e transferir os pesos entre as pernas. 

Todos esses estalos até aqui camuflaram o essencial do filme: um corpo que está confinado numa carapaça que o impede de performar com liberdade, com uma liberdade de não chamar atenção, com a leveza de poder não ser o diferente.

Em “Estalos”, há uma desumanização do personagem, somos impelidos a estranhar. Contudo, ao invés de nos afastar do personagem, aproxima-nos a ponto de nos sentirmos parte desse mesmo corpo. E a personagem de Serena Morais ilustra bem o momento em que humanizamos esse ser, pois no momento em que percebe o protagonista ela traz a tona os sentimentos contidos onde há apenas dor, é quando percebemos as nuances por trás dos ruídos, além do cuidado, os olhares e, através do olhar, mergulhamos dentro dos pensamentos do personagem principal.

“Estalos” nos silencia para percebermos a nossa monstruosidade quando somos confrontados com a imposição de uma performatividade padronizada, tudo que rompe a fronteira do comum nos coloca diante do poder da cultura, conviver com o diferente se torna um desafio.

Existe um curto e pequeno espaço no cotidiano desse personagem que se transforma na pausa diante de todos os males. Nesse micro espaço onde o artista performa, onde ele transforma a estranheza em espetáculo, é onde podemos sentir que os estalos deixam de ser uma mácula. Antes e depois de subir no pequeno palco, a expressão e o corpo cabisbaixo contrastam com a imponência da estátua viva.

Estalos me mostrou a prisão dos corpos e o desafio da liberdade.

 

Ficha técnica

Roteiristas:

Atuação: Serena Morais e Felipe Zahir

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